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Vida e Território em Risco: O Caso do Agricultor Ameaçado que expõe a impunidade no Maranhão

A Rede de Agroecologia do Maranhão (RAMA) destaca a grave situação de violência rural no estado, republicando a reportagem do Brasil de Fato sobre o agricultor e líder comunitário Antônio Francisco de Sousa Araújo, conhecido como Jairzim.


Jairzim, da comunidade tradicional Vergel, em Codó (MA), é defensor de direitos humanos e tem sofrido ameaças de morte contínuas devido a um conflito agrário. A violência contra ele e sua família escalou com uma série de ataques: a queima de sua casa, que guardava sacos de carvão do coco babaçu (fruto do trabalho da família), a destruição de sua roça por meio de incêndio criminoso, a tomada de posse de sua única fonte de água e, mais tragicamente, o assassinato de quatro parentes próximos.


Esta reportagem detalha como a omissão do Estado maranhense tem agravado a situação de Jairzim e de outras famílias camponesas que lutam pela permanência na terra e pelo direito à vida e à produção agroecológica.


Confira:



Antônio Francisco de Sousa Araújo, de 54 anos, conhecido como Antônio “Jairzim”, sofre ameaças de morte permanentes. | Crédito: Foto: Rogerio Albuquerque/Rama
Antônio Francisco de Sousa Araújo, de 54 anos, conhecido como Antônio “Jairzim”, sofre ameaças de morte permanentes. | Crédito: Foto: Rogerio Albuquerque/Rama

Antônio Francisco de Sousa Araújo, de 54 anos, conhecido como Antônio “Jairzim”, um agricultor e defensor de direitos humanos, líder rural da comunidade tradicional Vergel, na zona rural de Codó (MA), vive sob ameaça constante devido a um conflito de terras que dura mais de três décadas.


Em relato obtido com exclusividade pelo Brasil de Fato, o agricultor conta que, apesar de possuir uma liminar que lhe permite trabalhar na área, uma terra de 72 hectares, está sendo ilegalmente arrendada por fazendeiros da região. Para forçá-lo a sair da área, os agressores queimaram sua casa e estão secando e contaminando o açude que é a única fonte de água potável para sua família. 


“E sou nascido e criado. Meu pai é nascido e criado. Então estou com 54 anos de idade, tenho nove filhos, vivo trabalhando de roça. Agora estão secando o açude para minha mulher não encher água e nem banhar. Esse ano eu estou sem nenhum palmo de roça porque a minha terra já arrendaram tudo. No ano passado eles queimaram minha casa, uma casinha minha com 18 sacos de carvão que minha mulher fez”, relata o agricultor. 

“Eu estou aguentando muita humilhação, todo mundo está ameaçado. Ameaça minha mulher, ameaça meus meninos e aí eu não sei nem o que pode fazer”, conta Jairzim. 


Sem ter onde plantar para sustentar seus nove filhos e enfrentando intimidações constantes, o defensor de direitos humanos suplica que a justiça reconheça e garanta seus direitos antes que ele se torne mais uma vítima fatal. 


“Eu queria que a justiça declarasse isso aí e desse um jeito para resolver esse problema. Porque depois que a justiça correr e reagir, depois de eu morto, não adianta”, suplica o agricultor.

Violações de direitos


O advogado e vice-presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos, Antônio Pedrosa, explica que Jairzim herdou do pai, na década de 80, mais de 1,8 mil hectares de terras, mas o inventário ainda tramita na desde 1984 na Comarca de Codó, mais de 40 anos depois.

“O seu Jaizm, na verdade, é vítima de uma série de violações de direitos humanos. A primeira delas é o acesso à justiça. A previsão constitucional é que as pessoas tenham acesso à justiça, mas que a justiça possa fazer a composição do litígio num tempo célere. Então, esse princípio da celeridade da justiça tem que ser lido junto com o princípio do próprio acesso à justiça. Não adianta você acessar a justiça se a justiça pega teu processo, engaveta e não resolve teu problema e nem lhe dá satisfação”, avalia o advogado.

Imagem aérea da pequena propriedade de Jairzim, de 70 hectares, dedicada à agricultura familiar | Crédito: Foto: Rogerio Albuquerque/Rama
Imagem aérea da pequena propriedade de Jairzim, de 70 hectares, dedicada à agricultura familiar | Crédito: Foto: Rogerio Albuquerque/Rama

Todo esse período de espera foi marcado por violência. Entre 2007 e 2021, o conflito tirou a vida de quatro parentes próximos do agricultor, os primos Alfredo Ribeiro, assassinado em 2007, Raimundo Pereira Da Silva, morto com dois tiros nas costas em 2010, e Antônio Isídio Pereira da Silva, encontrado morto em 2015, após lutar contra a grilagem e o desmatamento, além de José Francisco de Sousa Araujo, irmão de Jairzim, assassinado em 2021.


Após o último assassinato, o agricultor aceitou fazer um acordo judicial, abrindo mão de quase toda a área, aceitando ficar com apenas 70 hectares, onde sua família já havia feito benfeitorias, entre elas, a casa onde mora. Ainda assim, a violência continuou. 


Escalada recente da violência


Em março de 2023, áreas destinadas ao plantio de feijão, milho e arroz do agricultor foram cercadas de forma clandestina. Em 24 de junho de 2023, parte dessa área foi desmatada e também cercada, usando violência e grave ameaça de morte, o que hoje impede o acesso à família.


Apesar de ter sido incluído no Programa Estadual de Proteção a Defensores de Direitos Humanos por conta das ameaças, a situação escalou novamente.


Entre os dias 10 e 12 de outubro de 2025, criminosos incendiaram parte do seu território. Em setembro de 2025, o açude, única fonte de água da família, foi cercado. Essa ação obriga o defensor e sua família a percorrerem quilômetros para buscar água em galões numa comunidade vizinha, o que o deixa mais exposto durante o trajeto. O defensor já recebeu três ameaças de morte somente nos últimos dias de outubro.


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Área queimada ilegalmente pelos grileiros | Crédito: Rogerio Albuquerque/Rama


Cobrança por justiça


Em julho de 2023, Antônio Francisco ajuizou uma ação de reintegração de posse na Vara Agrária de São Luís, buscando garantir o direito de acessar a área. O Poder Judiciário deferiu uma liminar que determinava a reintegração de Jairzinho na posse de 72 hectares no imóvel em Vergel. No entanto, na última quinta-feira (4), o juiz José Ribamar Serra, da Vara Agrária da Comarca da Ilha de São Luiz, suspendeu o processo relacionado à reintegração para que um novo acordo possa ser feito entre as partes “amigavelmente”. 


Dessa forma, a terra continua invadida, e o clima de medo imposto pela grilagem persiste. A Rede de Agroecologia do Maranhão (Rama) e outras organizações seguem denunciando que a violência continua. Em nota, a Rama alerta que a demora do Estado em agir tem sido “cúmplice da violência” e que a repetição das denúncias mostra a ineficiência do poder público.


“No dia 02.10.2025, a Rama em reunião com a Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular- SEDIHPOP, alertou sobre a situação e solicitou providências para fins de investigação de todas as violência e ameaças sofridas pelo Defensor de Direitos Humanos, o que não ocorreu até o momento. Os criminosos seguem impunes e causando uma situação de terror no Povoado Vergel”, diz a organização, em nota.


Nesse sentido, pedem que seja feita uma investigação rápida e imparcial sobre as violências e ameaças sofridas pelo defensor, além da garantia da integridade dele e de sua família. Além disso, solicitam que o Poder Judiciário do Maranhão julgue rapidamente o processo em tramitação que trata do direito de Jairzinho à posse, trabalho e moradia.


‘Sinuca de bico’


Pedrosa lembra que o Maranhão é o estado com maior número de conflitos fundiários no país, o que reflete a impunidade que impera no sistema de Justiça do estado.


“O temor da gente que esse processo ele termine descambando para mais uma morte, porque já ocorreram quatro mortes nesse mesmo conflito. Então não é pouca coisa. É muita coisa você ter um conflito em que quatro pessoas morreram e que a justiça até hoje não adotou providência em nenhum dos casos, não tem nenhuma resposta e esses crimes permanecem impunes”, afirma.


O advogado argumenta que o agricultor já foi inserido no Programa de Proteção aos Direitos Humanos, mas que nenhuma ação concreta foi feita para garantir a segurança de Jarizim e sua família, que não aceitam deixar o local, por medo de que os fazendeiros terminem de ocupar o pouco de terra que ainda lhes resta. 


“Nós estamos diante de um empurra-empurra, porque o juiz entende que não é um caso de urgência, não é um caso de defesa da vida, que isso pode esperar até março do ano que vem. E, por outro lado, a Secretaria de Segurança Pública não intervém, porque entende que ela poderia intervir numa situação como essa a partir de uma autorização judicial. Então o seu Jairzim fica numa sinuca de bico”, aponta o advogado. 


“Não é a primeira vez que ele sofre esse tipo de atentado e de ameaça. Já houve outras vezes, foi preciso acionar as autoridades também. E desta feita a gente está diante de um despacho do juiz da vara agrária que ameaça a vida do seu Jaizim, porque é uma decisão omissiva”, completa. 


Brasil de Fato entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública e com a Secretaria de Direitos Humanos e Participação Social do governo do Maranhão, bem como com a Vara Agrária da Comarca da Ilha de São Luiz, e tão logo os receba, os posicionamentos serão agregados ao texto.


Editado por: Luís Indriunas Fonte: Brasil de Fato


 
 
 

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