“Guerra Química no Maranhão” denuncia pulverização de agrotóxicos sobre comunidades tradicionais
- Rama rede de agroecologia
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Na última quinta-feira, 24 de julho, a Rede de Agroecologia do Maranhão (RAMA), em parceria com a Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Maranhão (FETAEMA) e o Laboratório de Extensão, Pesquisa e Ensino de Geografia da UFMA (LEPENG), lançou a publicação Guerra Química no Maranhão: Pulverização de Agrotóxicos sobre Comunidades 2024.

O lançamento ocorreu durante o III Encontro Nacional do Coletivo Jurídico Zé Maria do Tomé, na sede da FETAEMA, em São Luís/MA. Mais do que um marco simbólico, o momento revela a intenção de transformar o material em uma ferramenta de mobilização, incidência política e embasamento técnico para ações coletivas e jurídicas em defesa das comunidades envenenadas.
A publicação sistematiza denúncias sobre pulverizações aéreas com agrotóxicos realizadas por aviões e drones, afetando 231 comunidades em 35 municípios maranhenses, a maioria delas localizada em regiões de expansão do agronegócio, com cultivos de soja e eucalipto. Os dados foram coletados ao longo do ano de 2024 por meio de canais de denúncias instalado pela RAMA e FETAEMA junto às comunidades atingidas.

Com relatos e imagens que retratam a realidade vivida nos territórios, o documento revela os impactos profundos da pulverização sobre a saúde das populações e sobre a agricultura familiar. As plantações adoecem junto com as pessoas: perde-se lavoura, perde-se o feijão, o arroz, as verduras, a água limpa, perde-se os peixes. Os sintomas mais comuns relatados pelas comunidades atingidas incluem dores de cabeça, vômitos, coceiras, feridas na pele e insônia, especialmente entre crianças, gestantes e idosos. A publicação alerta ainda para o agravamento da insegurança alimentar nas comunidades, ameaçando o direito de produzir e consumir alimentos saudáveis, livres de veneno.
Além disso, o relatório aponta que o Maranhão se tornou o terceiro maior consumidor de agrotóxicos da Amazônia Legal, sendo o glifosato o principal veneno utilizado. O documento também analisa o cenário jurídico atual, evidenciando a omissão dos órgãos públicos e a ausência de uma legislação estadual que proíba a pulverização aérea.
Como destaca o estudo A Pulverização Aérea de Agrotóxicos no Maranhão: O Cenário da Legislação Vigente em 2025, incluído na publicação, "o Maranhão não possui nenhuma legislação estadual que proíba ou trate com mais especificidade a pulverização aérea. A realidade do estado consiste em diversas tentativas de implantação de leis municipais, algumas com sucesso e outras sem conseguir sair do papel devido à pressão e ameaças advindas de empresários do agronegócio às famílias e aos políticos contrários à atividade.”
Essa lacuna legal vem sendo explorada por empresas, sindicatos e associações do agronegócio, que atuam intensamente para impedir qualquer avanço legislativo em favor da proteção dos territórios. Esses setores têm mobilizado recursos financeiros substanciais e uma estrutura altamente articulada de influência política junto a prefeituras, câmaras municipais, assembleias legislativas e esferas federais, incluindo prefeitos, vereadores, deputados, senadores e governadores, com o objetivo explícito de barrar projetos de lei que visam proteger as comunidades e garantir a segurança e soberania alimentar sem os impactos devastadores dos agrotóxicos sobre essas populações.
Essas iniciativas incluem a criminalização de quem produz conhecimento (pesquisadores, acadêmicos, organizações sociais) e de quem denuncia os impactos. Ao mesmo tempo, promovem discursos favoráveis ao uso de agrotóxicos, mesmo quando proibidos na União Europeia, pressionando para flexibilizar ainda mais a entrada desses produtos no Brasil. A articulação abrange o lobby institucional, promovendo audiências públicas, disputas judiciais e ações junto a gabinetes de poder para veto ou arquivamento de legislação protetiva.
A combinação entre falta de regulação, uso intensivo de venenos e a atuação política agressiva do agronegócio agrava a insegurança alimentar e aumenta a vulnerabilidade das comunidades camponesas, quilombolas e indígenas, cujos modos de vida estão sendo colocados em risco pela lógica do lucro e do envenenamento.
“Estamos vivendo uma verdadeira guerra química no Maranhão. O agronegócio impõe um modelo de produção violento, que envenena o ar, a terra e as águas”, afirma Emiliano Maldonado, advogado e membro do Coletivo Zé Maria do Tomé.
Para Diogo Cabral, também advogado e membro do Coletivo Zé Maria do Tomé, “a publicação é leitura essencial para advogados, promotores, defensores, pesquisadores e toda a sociedade, por sua relevância científica e por ser uma poderosa denúncia de violações de direitos humanos”.
Com linguagem acessível e rigor técnico, a publicação é fruto de uma aliança entre saberes populares e acadêmicos, e traz também propostas de enfrentamento e resistência, como legislações municipais, redes de articulação e ações jurídicas já em curso.
“Não se trata apenas de um relatório técnico, mas de um grito coletivo. Uma convocação à ação diante da violação de direitos fundamentais à vida, à saúde, à terra e ao futuro”, escreve Vanessa Cristina Silva Neco no prefácio da obra.
Baixe gratuitamente a publicação completa no site da RAMA ou no site da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
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