A “Guerra Química” no Maranhão: denúncia internacional
- Rama rede de agroecologia
- 23 de set.
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Durante o 60º período de sessões do Conselho de Direitos Humanos da ONU, a delegação da Rede de Agroecologia do Maranhão (RAMA) trouxe uma denúncia contundente sobre a violência química que atinge comunidades tradicionais no estado.
Em sua fala, o advogado popular Diogo Cabral, integrante da RAMA e da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, destacou que a pulverização aérea de venenos não é acidente: é uma estratégia de guerra do agronegócio contra quilombolas, indígenas, ribeirinhos e agricultores familiares.
O discurso, que reproduzimos na íntegra abaixo, revela dados alarmantes, casos de contaminação e as formas de resistência que se erguem nos territórios.
Confira:
A “Guerra Química” no Maranhão
A “guerra química” no Maranhão é caracterizada pelo uso estratégico da pulverização de agrotóxicos pelo agronegócio para atingir e expulsar comunidades tradicionais. Isso acontece principalmente em áreas de fronteira agrícola, onde o avanço do agronegócio, especialmente a monocultura da soja, entra em conflito direto com os territórios de quilombolas, indígenas, ribeirinhos e agricultores familiares.
Intimidação e Conflito: Em muitos casos, a pulverização aérea sobre casas, roças de subsistência e fontes de água potável não é um acidente, mas um ato de violência. Ela serve para intimidar e pressionar as comunidades a saírem de suas terras, comprometendo sua saúde, segurança alimentar e a própria capacidade de subsistência.
Entre 2024-2025, o Maranhão concentrou 355 casos de comunidades contaminadas por pulverização aérea de agrotóxicos, conforme dados da RAMA, FETAEMA e LEPENG e segundo os dados da Comissão Pastoral da Terra, o Maranhão registrou 85% dos casos de pulverização de agrotóxicos do Brasil em 2024.
Aumento no consumo de agrotóxicos: O estado do Maranhão registrou um aumento de 191,5% no consumo de agrotóxicos entre 2013 e 2022. Em 2022, foram utilizadas 15.649,67 toneladas de agrotóxicos, segundo dados do IBAMA.
Contaminação e Enfermidades: As consequências da exposição a esses produtos químicos são devastadoras. As comunidades relatam uma série de problemas de saúde, como doenças de pele, irritações nos olhos, problemas respiratórios, náuseas, vômitos e, em casos mais graves, abortos.
Danos à Biodiversidade e à Produção: A pulverização indiscriminada contamina o solo, os rios e as plantações locais. Isso não só mata a fauna e flora nativas, mas também destrói as roças das famílias, as envenena e torna a terra improdutiva, quebrando a capacidade das comunidades de se sustentarem.
Intimidação, medo e crimininalização: muitas comunidades relatam o medo de denunciar contaminação de seus territórios em decorrência de possíveis represálias por parte dos denunciados. Entre 2024 e 2025, um sindicato patronal apresentou uma notificação extrajudicial contra o advogado da RAMA em decorrência de uma entrevista e esse mesmo sindicato processa a RAMA em decorrência da pesquisa mensal denominada territórios vitimados diretamente pelos agrotóxicos no Maranhão.
A falta de fiscalização e a impunidade são fatores que alimentam essa "guerra química". O agronegócio opera com poucas barreiras e a pulverização aérea é de difícil controle. Além disso, as vítimas muitas vezes não têm acesso a serviços de saúde adequados e, quando procuram ajuda, os casos de intoxicação por agrotóxicos nem sempre são devidamente registrados, o que dificulta a responsabilização dos agressores.
No Brasil, a legislação em vigência permite a pulverização aérea de agrotóxicos por drones em distâncias mínimas de 20 metros de povoações, mananciais de água e agrupamentos de animais, bem como de 30 metros de equipamentos públicos como escolas e hospitais ( Portaria Mapa-298/2021).
A Lei nº 14.785/2023, que alterou a legislação sobre agrotóxicos no Brasil e flexibiliza o registro de agrotóxicos e enfraquecimento do controle governamental sobre tais produtos.
Impunidade: A falta de proteção efetiva dos territórios tradicionais e a pressão econômica sobre o poder público criam um ambiente propício para que a violência por meio de agrotóxicos se torne uma ferramenta de expulsão.
No Maranhão, a luta contra a pulverização aérea de agrotóxicos tem se fortalecido com a aprovação de leis municipais que proíbem essa prática. Essa é uma resposta direta às frequentes denúncias de contaminação e violência contra comunidades tradicionais e agricultores familiares, especialmente nas regiões de avanço do agronegócio.
os municípios têm autonomia para legislar sobre questões de interesse local, como a proteção do meio ambiente e da saúde pública. Embora a competência legal para a proibição de agrotóxicos seja um debate no âmbito federal, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que confirmou a constitucionalidade de uma lei semelhante no Ceará abriu caminho para que mais cidades no Maranhão e em outros estados sigam o mesmo exemplo.
Hoje, a partir da mobilização popular em defesa do direito à saúde, alimentação adequada e meio ambiente ecologicamente equilibrado, 12 cidades aprovaram leis que proíbem a pulverização aérea de agrotóxicos por aviões e drones.



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